A Democracia da Cooperação: Conceito, Formação e Fundamentos Socioeconômicos
- Editora Expressão
- 31 de out.
- 3 min de leitura

Por: Rosalvi Monteagudo
O conceito e a formação da Democracia da Cooperação, uma proposta socioeconômica e política que transcende o modelo liberal de democracia representativa. Fundamentada nos princípios da economia solidária, da autogestão e da intercooperação, a Democracia da Cooperação busca reorganizar a estrutura produtiva e decisória da sociedade, colocando o ser humano — e não o capital — no centro da vida econômica. Por meio da Regra 30/70, o modelo estabelece um equilíbrio dinâmico entre necessidades e participação, propondo um novo paradigma para a sustentabilidade, a autonomia e a justiça social.
A crise civilizatória contemporânea, marcada pela desigualdade e pela fragmentação social, exige novas formas de organização democrática. O sistema político-econômico vigente — construído sobre o individualismo competitivo — perdeu sua capacidade de responder às demandas coletivas e de promover a dignidade humana. Nesse contexto, emerge a Democracia da Cooperação, como uma síntese evolutiva entre a democracia política e a economia solidária.
Mais do que um conceito, trata-se de uma metodologia social de autogestão que propõe reorganizar a sociedade através da cooperação e do compartilhamento, superando a lógica da competição e do lucro. Essa proposta articula-se com o pensamento freireano de emancipação pelo diálogo (FREIRE, 1987) e com as práticas de solidariedade preconizadas pela Aliança Cooperativa Internacional (ACI, 1995).
CONCEITO DE DEMOCRACIA DA COOPERAÇÃO
A Democracia da Cooperação é um sistema de organização social, política e econômica baseado na autogestão participativa e na intercooperação solidária.
Ela substitui a lógica do voto delegativo por uma lógica de participação direta e corresponsável, em que cada cooperador é dono e gestor do processo coletivo.
Diferente da democracia liberal, que se sustenta na representação e na disputa de poder, a Democracia da Cooperação se estrutura sobre o equilíbrio entre necessidade e contribuição — materializado na Regra 30/70.
Nesse modelo, 30% representam o levantamento das necessidades e prioridades humanas, e 70% simbolizam a força produtiva, a decisão coletiva e o engajamento dos cooperadores-donos.
Assim, a democracia deixa de ser apenas um regime político para tornar-se um sistema de organização da vida e do trabalho, capaz de produzir inclusão, sustentabilidade e autonomia financeira.
FORMAÇÃO E FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
A formação da Democracia da Cooperação tem raízes na economia solidária latino-americana, nas teorias da autogestão e na pedagogia libertadora de Paulo Freire. Freire (1987) defendia que a libertação só é possível quando o sujeito se torna consciente de sua participação histórica e social — ideia que se traduz, no campo econômico, em um modelo de gestão horizontal e participativa.
Além disso, autores como Paul Singer (2002) e Boaventura de Sousa Santos (2003) inspiram a estrutura do modelo ao enfatizarem a necessidade de um novo paradigma de desenvolvimento baseado no “trabalho associado” e na “democracia redistributiva”.
A Regra 30/70, formaliza matematicamente essa filosofia:
A ação de concentração representa a intercooperação entre os cooperadores-donos (base humana do sistema)
A ação de dispersão corresponde à intercooperação entre as cooperativas (estrutura organizacional)
Ambas formam o eixo da sustentabilidade social e econômica, garantindo que o processo se mantenha dinâmico e circular, da base até o topo.
A DEMOCRACIA DA COOPERAÇÃO COMO EVOLUÇÃO DO COOPERATIVISMO
A proposta de Monteagudo representa um salto histórico no movimento cooperativista. Enquanto o cooperativismo tradicional se concentra na gestão de empreendimentos autônomos, a Democracia da Cooperação introduz a intercooperação sistêmica como prática contínua, capaz de integrar todos os níveis — local, nacional e global — em uma rede de colaboração permanente.
Essa estrutura culmina nos conceitos de Superfederalismo e Contifederalismo, que organizam a cooperação em escala nacional e continental, respectivamente, tornando possível a criação de um mercado autônomo cooperativo (Mercoop) — alternativa ética ao mercado neoliberal.
A Democracia da Cooperação é mais do que uma teoria: é uma proposta civilizatória. Seu propósito é reconstruir as bases do desenvolvimento humano sobre os valores da solidariedade, da autogestão e da intercooperação.
Ao transformar a economia em instrumento de emancipação e a política em exercício coletivo de consciência, o caminho para uma nova era — a era da cooperação consciente.
O futuro da humanidade depende de sistemas que respeitem a vida, a natureza e o ser humano em sua totalidade.
Nesse sentido, a Democracia da Cooperação não se opõe à democracia tradicional: ela a transcende, oferecendo à sociedade do século XXI uma nova gramática para o poder e para a liberdade.
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REFERÊNCIAS
ALIANÇA COOPERATIVA INTERNACIONAL (ACI). Princípios do Cooperativismo. Genebra: ACI, 1995.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
MONTEAGUDO, Rosalvi Maria Teófilo. Democracia da Cooperação: Proposta Socioeconômica para o Século XXI. Florianópolis/SC, 2025 (no prélo).
SANTOS, Boaventura de Sousa. A Crítica da Razão Indolente: Contra o Desperdício da Experiência. São Paulo: Cortez, 2003.
SINGER, Paul. Introdução à Economia Solidária. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2002.











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